A universidade, zona livre a ser defendida
Diante das pressões do governo dos EUA, Columbia e Harvard conseguirão preservar sua autonomia intelectual e jurídica, constitutivas de todas as instituições universitárias desde o século XIII?
Frame de La Chinoise, 1967. Filme de Jean-Luc Godard.
Em 13 de abril de 1231, o papa Gregório IX publicou uma bula conhecida pelas duas primeiras palavras do texto: Parens scientiarum. Tratava-se de uma resposta a uma série de protestos e distúrbios provocados pelos estudantes na cidade de Paris. Os historiadores da Idade Média em geral reconhecem que podemos considerar que foi naquele momento que nasceu a instituição universitária como a conhecemos ainda hoje.
De fato, por essa bula, o papa reconhecia uma total autonomia jurídica à instituição universitária colocando-a sob a jurisdição eclesiástica do bispo e a retirando, assim, da autoridade administrativa do preboste de Paris. Os estudantes e os professores tinham o direito de «elaborar constituições e ordenanças que regulam o modo e o horário das aulas e dos debates, o traje a ser usado, o enterro dos mortos», de decidir «quem deve dar os cursos e a que horas, e sobre o que devem ser as aulas», de fixar «os preços do alojamento» e as punições para aqueles que «violam essas mesmas constituições ou ordenanças». Eles adquiriram uma espécie de status de extraterritorialidade: uma espécie de exterioridade em relação à lei que regia a vida do território em que viviam.
Essa medida teve uma grande influência sobre a imagem do que significa saber e sobre o próprio status dos estudantes universitários. Ao longo do tempo, a qualidade jurídica ligada às ações dos estudantes e dos professores de fato se transferiu para o saber em si, as ideias, os conhecimentos discutidos, produzidos, trocados e refutados nas salas de aula das universidades. Funcionou assim durante séculos. Pouco importa que a universidade seja na China ou no Senegal, no Brasil ou na Nova Zelândia, na Alemanha ou no Japão: ainda hoje temos a convicção de que as ideias discutidas não exprimem nenhum espírito nacional ou identidade local.
Durante séculos, as universidades foram o lugar em que as nações, culturas e identidades respectivas se situavam fora de lugar, ou melhor, em uma espécie de não lugar que nem sequer precisava reivindicar alguma universalidade. Era um tipo de exceção planetária, um espaço paradoxal onde a palavra, o pensamento, as consciências tinham o direito de contradizer tudo e imaginar o contrário de tudo: as grandes potências de Estado, a economia, o espírito da época.
Graças a elas, o estudo foi um espaço que vai para além da dialética entre obediência e desobediência, entre a norma e sua transgressão: tornou-se um movimento ativo de produção que difere daquilo que é definido em lei. Por isso as universidades também tiveram de aceitar ser, com frequência, o espaço do erro e da errância: estudar significa estar em um lugar onde as normas devem ser suspensas, questionadas, discutidas, e onde é preciso ter a liberdade de imaginar o presente e o futuro em outras bases. Mesmo e sobretudo à custa de se equivocar, de ter de apagar tudo e recomeçar do zero.
Durante séculos, a universidade foi uma espécie de carnaval especulativo em que os pensamentos estavam sempre fora do tempo e eram fora de propósito. Mas foi unicamente por essa razão que ela conseguiu extrair cada época de si mesma, sem simplesmente exprimir nem confirmar seus mais ultrapassados preconceitos e lugares-comuns.
Há algumas semanas, duas prestigiadas universidades americanas, Harvard e Columbia (mas se trata de medidas que provavelmente atingirão inúmeras outras universidades em todo o país), cederam à pressão do presidente Donald Trump, ao aceitar que o governo decida não apenas o que é justo e necessário e o que deve ser ensinado, mas também nomeie os diretores de alguns departamentos-chave e monitore as ideias transmitidas.
O governo também enviou forças especiais para identificar e prender estudantes culpados de ter simplesmente expressado opiniões diferentes daquelas da administração e de ter organizado manifestações no campus. Não se trata apenas de procedimentos parecidos com os de regimes totalitários; também é um modo de decretar o fim da própria ideia de universidade. É difícil prever o que acontecerá nos próximos meses nos Estados Unidos, e é difícil saber se a autonomia intelectual e jurídica dessas instituições conseguirá resistir. Mas, nunca como atualmente, o mundo precisou tanto de novos espaços em que o pensamento e a palavra possam se manifestar em uma forma de extraterritorialidade: sem nenhuma identidade étnica ou cultural, longe da ladainha inútil e agora estagnada da obediência e da resistência.
Emanuele Coccia é filósofo e professor adjunto na École des hautes études en Sciences Sociales (EHESS).