Proibido existir
Depois que, em 2023, a Suprema Corte da Rússia baniu o movimento LGBT, começou no país a caça às pessoas queer. Com fichamentos em massa, batidas policiais e intimidações.
Policiais bloqueiam a Parada do Orgulho Gay de São Petersburgo, em agosto de 2019. Foto de Anton Vaganov (Reuters).
Maksim se joga no chão sem pensar muito sobre quem deu a ordem: as pessoas que invadiram a festa techno no Tipografija, um clube na cidade de Tula, estão armadas. Deitado no chão, ele só vê coturnos militares. Quem os calça caminha entre os corpos deitados no chão, acompanhado por cães pastores. Pelos gritos, dá para entender que estão espancando alguém. Maksim se achata contra o piso da pista de dança, torcendo para escapar ileso, mas em certo momento é puxado pelos cabelos. «Levantaram minha cabeça, e então olhei para eles: havia um homem com balaclava, uma câmera fotográfica e uma metralhadora», conta Maksim.
Eles viram a cabeça dele à força, quase torcendo seu pescoço, apenas para facilitar o trabalho de quem filmava com o celular. Outras pessoas passam pelo mesmo tratamento: os agentes do chamado «Centro E» (o centro de combate ao extremismo, uma espécie de polícia política criada pelo Kremlin em 2008) os observam atentamente, em busca de qualquer detalhe que confirme sua «anormalidade». À luz das lanternas presas às metralhadoras dos agentes da guarda nacional russa, os rostos cobertos de glitter de alguns dos frequentadores do clube brilham. Com as pessoas maquiadas, os agentes foram «particularmente cruéis», explica uma ex-funcionária do local que estava presente durante a operação, em 18 de fevereiro de 2024.
Testemunhas lembram que os agentes das forças de segurança, ao inspecionar homens seminus, simulavam respiração ofegante e furiosa: diziam que iriam estuprar alguém. A Maksim, que usava roupas de couro e um casaco de pele, fizeram todo tipo de perguntas, desde sua profissão até suas preferências sexuais. «E a cada resposta, me batiam: nenhuma servia», lembra ele. Depois, levantaram a camiseta de um barman que estava em terapia hormonal e disseram para ele vestir um sutiã. Por fim, cansados dos interrogatórios, pediram um cappuccino.
Na mesma noite de 18 de fevereiro, mas na região de Leningrado, a 800 quilômetros de Tula, as forças de segurança realizaram outra invasão, desta vez em uma festa particular. Com os convidados alinhados contra a parede, os agentes ligaram uma câmera e os submeteram a um «interrogatório infinito sobre sexo», relata uma pessoa que estava na festa. «Você gosta de lamber buceta? Como vocês transam? Mas você é homem ou mulher?». A um homem transgênero perguntaram onde ele havia perdido o pênis. As pessoas cuja identidade sexual gerava dúvidas por parte da polícia foram forçadas a mostrar cicatrizes cirúrgicas ou os genitais.
Jogo duplo
Em novembro de 2023, uma decisão da Suprema Corte russa determinou que a comunidade LGBT é um «movimento extremista», e suas atividades foram proibidas. Desde então, dezenas de operações das forças de segurança ocorreram em festas e estabelecimentos voltados ao público gay.
Para funcionários federais e canais de TV, a comunidade queer russa é uma rede de «grupos paramilitares» prontos para travar uma «guerra de gênero» contra a Rússia, engajados na «desumanização» dos russos e no «culto ao diabo». As forças de segurança classificam as batidas em ambientes gays como «medidas de repressão a atividades antiestatais».
As invasões a festas particulares e boates são acompanhadas de todo tipo de abuso, mas os zelosos funcionários do Ministério do Interior têm principalmente a missão de coletar dados sensíveis das pessoas detidas.
As operações ocorreram em 18 regiões do país. No bar Elton, em Krasnoyarsk, os agentes confiscaram as gravações das câmeras de segurança e encontraram «dois ou três momentos em que pessoas do mesmo sexo se abraçavam e se beijavam». Antes de ser fechado definitivamente, em 2023, o mais antigo bar gay de São Petersburgo, o Tsentralnaja Stantsija (ativo desde 2005), foi revistado dezenas de vezes.
Um funcionário de um local queer na Sibéria contou que certa vez «os agentes entraram e copiaram os registros de reservas», obtendo informações sobre centenas de clientes.
Em uma festa particular nos Urais, após perguntarem se havia gays ou lésbicas entre os participantes, a polícia bloqueou as entradas e saídas para que nenhum dos 170 convidados pudesse sair sem ter seus documentos verificados. Aos clientes do Eden, em Tcheliabinsk, foram colhidas impressões digitais e feitos exames bucais. No Full House, em Petrozavodsk, os celulares de todos os presentes foram recolhidos. E, por fim, numa festa particular em Koltushi, na região de Leningrado, as forças de segurança exigiram dos convidados a entrega de documentos de identidade e todos os dispositivos eletrônicos já desbloqueados.
Com o ataque em Tula, as forças de segurança conseguiram os dados de oitenta pessoas, entre clientes e funcionários do local, relata a ex-funcionária. «Agora sabemos quem vocês são», diziam os agentes aos frequentadores.
Às vezes, são os próprios organizadores das festas que compartilham os dados dos convidados com os agentes — o fazem por obrigação ou na esperança de continuar trabalhando em paz. «Aqui a gente não tem problemas porque colabora com a polícia», diz um organizador de festas para praticantes de swing. Em seus eventos, há sempre dois agentes à paisana, que também têm acesso ao grupo no Telegram onde os participantes devem enviar fotos, número de telefone e resultados de exames. Em 2023, quatro frequentadores das festas eróticas organizadas por ele foram investigados. Ele mesmo aceitou falar com o Meduza, com a condição de permanecer anônimo. Não vê nada de errado em colaborar com a polícia.
Infiltrados nos chats
Para coletar dados sobre pessoas LGBT que deixaram de frequentar locais públicos de encontro, as forças de segurança recorrem a mentiras e armadilhas. Jaroslav Rasputin, do projeto Parni Pljus («Garotos a Mais»), contou ao Meduza que agentes de Stavropol se infiltraram em chats de aplicativos de encontros, onde identificaram cerca de vinte pessoas, que depois foram interrogadas. O que mais interessava aos agentes era descobrir a identidade de homens que viviam em casal.
Outra pessoa com quem o Meduza conversou foi presa da mesma forma, na república autônoma do Daguestão. Lendo suas conversas no Hornet (um app de encontros queer), os agentes do Centro E lhe propuseram continuar usando o aplicativo sob supervisão deles. «As pessoas LGBT te conhecem, confiam em você», disseram. «Você pode convidá-las para o seu apartamento, e lá estarão nossos colegas esperando.»
Até mesmo deputados do partido do presidente Vladimir Putin, Rússia Unida, se orgulham de organizar essas armadilhas. Em 2 de janeiro de 2025, por exemplo, Vitalij Milonov relatou um encontro com um homem gay que, segundo ele, oferecia serviços sexuais pagos. Enquanto a polícia, chamada por Milonov, ia até a casa da vítima, o deputado esperava na porta acompanhado de quatro homens.
Duas semanas depois, em Ecaterimburgo, outro deputado, Dmitrij Čukraev, participou de uma batida parecida: a prisão de uma trabalhadora sexual transgênero uzbeque, depois expulsa da Rússia. «Quero dizer a essas – como chamá-las? – pessoas: vocês ainda têm tempo para sair da Rússia voluntariamente», declarou Čukraev após a operação.
Após a aprovação da lei de 2023, as festas queer passaram a ocorrer em locais secretos, mas a polícia continua conseguindo vigiá-las, com a ajuda de ativistas de extrema direita. Jaroslav Mantsevič, vice-presidente da União dos Veteranos de Sverdlovsk, contou ao Meduza que organizou uma operação para infiltrar chats e locais queer em Ecaterimburgo.
«Um informante confiável nos ajuda a organizar as incursões com a polícia», diz Mantsevič. «Temos dois agentes já infiltrados e outros seis prontos para agir. Eles criam perfis em redes sociais e apelidos no Telegram. Conquistam a confiança dessas pessoas, descobrem onde acontecem os encontros e são convidados. Se você se esforçar, elas confiam e garantem sua entrada.»
Čukraev também disse ao Meduza que conseguiu entrar no submundo LGBT. Ele teria ajudado o Ministério do Interior a preparar o ataque ao bar gay Fame, em Ecaterimburgo.
«O nosso objetivo é acabar de vez com esses encontros», acrescenta Mantsevič. «Eles precisam entender que estão sendo vigiados, que nem pensem em organizar festinhas. Temos que destruí-los pela raiz.»
A sala de maquiagem no Elton Bar em Krasnoyarsk.
Todas as informações
Na primavera de 2024, o Ministério do Interior já havia discutido o lançamento de um sistema de registro de pessoas LGBT — na prática, listas de indivíduos presumivelmente pertencentes ao «movimento público internacional LGBT». A informação foi obtida por duas fontes próximas ao ministro e confirmada pelo deputado Čukraev.
Além do banco de dados de pessoas LGBT, o ministério planeja iniciar um registro de trabalhadores e trabalhadoras do sexo, que «poderia se tornar público, para que todos possam saber algo sobre um amigo ou uma namorada», acrescenta uma das fontes. «Dessa forma, também poderiam ficar visíveis possíveis infrações administrativas dessas pessoas, como multas por ‘propaganda gay’.»
O projeto ainda não foi realizado: por ora, «não há dinheiro nem pessoal para criar e manter o banco de dados», continua a fonte. «O Centro E, de fato, não existe mais: em suas sedes regionais restaram apenas dois funcionários.» Outros interlocutores do Meduza, próximos das forças de segurança, concordam que, após a invasão da Ucrânia, a polícia foi literalmente reduzida ao mínimo e não tem mais recursos para realizar esses serviços de catalogação.
Os agentes estão, portanto, concentrando seus esforços nas pessoas já identificadas pelas autoridades. «Depois que a comunidade LGBT foi declarada ‘movimento extremista’, foi imediatamente ordenado ao Centro E que mantivesse as pessoas homossexuais sob vigilância», explica uma fonte do ministério. Mas não havia pessoal suficiente. «Temos apenas um funcionário para cada seis distritos federais», diz outra fonte. «Não tem ninguém indo de porta em porta dizendo: ‘Então, viadinhos, vão se registrar ou não?’», confirma outro interlocutor.
Contudo, segundo alguns ativistas de direitos humanos, os agentes já começaram a visitar pessoas ligadas à comunidade LGBT e médicos que as auxiliam. No final de 2023, a polícia convocou vários ativistas LGBT da região dos Urais Ocidentais para comunicar que estava tentando identificar todas as pessoas visadas pelas autoridades.
Também nas regiões de Arkhangelsk e São Petersburgo, pessoas transgênero foram chamadas e interrogadas. A ativista Jael Demedetskaja, que ajuda membros da comunidade a se estabelecerem nos Estados Unidos, conhece pelo menos sete casos de buscas domiciliares contra homens e mulheres que haviam deixado o país. «Em fevereiro de 2024, um homem trans de Vladivostok veio pedir nossa ajuda. Justamente enquanto ele cruzava a fronteira americana acompanhado da esposa, um agente russo apareceu em sua casa em Vladivostok, perguntando onde ele estava e se havia mudado de gênero nos documentos.» Na Rússia, a transição de gênero é proibida por lei desde julho de 2023.
As pressões sobre os médicos
Outro ativista relatou ao Meduza casos semelhantes ocorridos nos Urais no início de 2024. Todos os ex-pacientes do setor psiquiátrico do hospital local, diagnosticados com «transexualismo», foram convocados à delegacia. Os agentes também pediram informações sobre os médicos que haviam cuidado deles, explicando que a operação era «por ordem de Moscou».
Com frequência, até mesmo os médicos recebem a atenção das forças policiais, relatam Jael Demedetskaja e Evelina Čaika, fundadora da ONG Equal PostOst. «Há quem tenha recebido ligação da delegacia, quem tenha sido visitado pelos serviços sociais ‘para ver como está a família’ e quem tenha sido convocado como testemunha no tribunal. Um médico que fazia parte da comissão para redesignação de gênero decidiu deixar o país com toda a família», conta Čaika.
Logo após a decisão da Suprema Corte de 2023, até mesmo agentes do FSB (o serviço de segurança federal russo) começaram a investigar pessoas «afiliadas ao movimento LGBT», «extremistas» ou «interessadas em mudar de sexo». Detinham na fronteira os russos que retornavam ao país e os bombardeavam com perguntas, disseram ao Meduza pelo menos cinco fontes diferentes. Às vezes, os interrogatórios duravam horas. Para ser parado, bastava ter chamado a atenção dos agentes do Centro E.
«O FSB e o Ministério do Interior estabeleceram uma forma de cooperação», explica Maksim Oleničev, advogado da ONG Pervyj Otdel (Primeiro Departamento). «Se o nome de alguém acende um alerta na fronteira, o suspeito é interrogado com base em uma lista de perguntas enviada pelos colegas, com o objetivo de coletar todas as informações operacionais possíveis.»
Queimando prontuários
Estamos em 2019, e Jael Demedetskaja observa na tela do seu laptop algumas pastas médicas pegando fogo. Do outro lado da videochamada está um antigo colega dela, em Moscou. Nos anos 2000, Jael e seu marido, Andrej, criaram uma fundação e depois uma clínica para pessoas transgênero. Em 2017, quando a família Demedetskaja foi forçada a deixar a Rússia e encerrar a clínica devido à pressão policial, o arquivo continha mais de seis mil prontuários médicos. Do exterior, Jael não poderia destruí-los sozinha — por isso, recorreu a uma pessoa com quem havia trabalhado e que ainda estava em Moscou. Essa pessoa recolheu os documentos, levou-os a um parque nos arredores da cidade e os incendiou. Em seguida, ligou para Jael.
Não foi por acaso que os prontuários eram impressos em papel e não digitais. No momento de necessidade — explica Jael — seria muito mais fácil destruí-los para esconder das autoridades russas os dados das pessoas que haviam procurado a clínica. «E a decisão se mostrou correta: logo após a sentença de 2023 sobre o ‘movimento LGBT’, as forças de segurança começaram a procurar os dados médicos de todas as pessoas transgênero», acrescenta Jael.
Ela também conta que a clínica de um amigo ginecologista, onde haviam sido realizadas cirurgias de transição de gênero, foi alvo do centro E. «Mas, felizmente, enviaram um agente mais velho que não sabia usar o computador: em vez de copiar os dados, ele os apagava.»
Outras fontes — inclusive ativistas de direitos humanos — relataram episódios semelhantes em unidades médicas que atendiam pessoas trans. Segundo Igor Kočetkov, fundador da rede LGBT russa, normalmente tudo começa com a convocação das comissões que emitiam autorizações para alteração de gênero nos documentos.
Jan Dvorkin, diretor do Centro T (uma ONG que ajuda pessoas trans), conhece ao menos quatro clínicas que passaram por inspeções semelhantes. «Na região de Moscou, os agentes apareceram perguntando sobre os certificados 087/y, que até 16 de agosto de 2023 permitiam a mudança de sexo», afirma Oleničev. Segundo a advogada Ekaterina Dikovskaja, essas visitas ocorreram com frequência em Moscou. Um ativista queer, que prefere o anonimato, conta que em Ecaterimburgo a polícia revirou um hospital, proibindo-o de «oferecer serviços a pessoas transgênero».
Obviamente, o verdadeiro alvo dos agentes não eram os médicos, mas os pacientes. As nossas fontes não sabem dizer se as clínicas cederam às exigências dos funcionários e entregaram os dados pessoais dos pacientes.
Contudo, já existe uma lista — ainda que incompleta — de pessoas que passaram por transição de gênero, disponível no mercado ilegal de dados pessoais na Rússia. A cópia obtida pelo Meduza é provavelmente um extrato do banco de dados do registro civil: era ali que as pessoas transgênero, após passarem pela avaliação da comissão médica e obterem o certificado 087/y, podiam solicitar a mudança de gênero em sua certidão de nascimento e passaporte.
Os funcionários eram obrigados a notificar todas as alterações ao Ministério do Interior dentro de cinco dias. O Meduza não conseguiu descobrir a origem exata da lista, mas os ativistas que tiveram acesso a ela acreditam que pode ter sido extraída pela polícia. «Para isso, basta entrarem num banco de dados e apertarem um botão», explica Jan Dvorkin.
Muito provavelmente, é justamente graças a essas fugas de dados que empregadores hoje conseguem encontrar com facilidade informações sobre pessoas transgênero na internet — informações que usam para se recusar a contratá-las, conforme relatou o site de jornalismo investigativo Mediazona.
Agentes do Centro E também possuem listas de pessoas trans, afirma Evelina Čaika, «assim como vários indivíduos ligados à administração presidencial, à Duma (o parlamento) e aos lobistas que promovem a introdução da ‘terapia de conversão’» — uma prática pseudocientífica destinada a forçar a heterossexualidade.
Uma loucura política
Em dezembro de 2023, após a sentença da Suprema Corte, os administradores do bar gay Picasso, em Krasnojarsk, decidiram que era melhor mandar tirar as gravatas-borboleta com as cores do arco-íris usadas pelos bartenders. Elas foram jogadas no lixo embrulhadas em várias camadas de papel e sacolas plásticas, para que não fossem encontradas em uma possível batida policial.
As drag queens, que antes subiam ao palco ao som de fanfarras, foram obrigadas a abandonar os enchimentos para o bumbum, as lantejoulas e as perucas, e a se apresentar ao som de músicas tradicionais russas.
Mas moderar o show das drag queens não ajudou muito. Em março de 2024, os donos do bar foram convocados pela polícia. Logo depois, todas as drag queens — Karina Angel, Leodana Russo, Selena Lux e Tata Lilas — foram demitidas. As perucas e os figurinos desapareceram. Aos clientes do sexo masculino foi proibido dar as mãos. No início, quem aparecia maquiado era apenas convidado a se desmaquiar no banheiro do local. Depois, passou-se a negar a entrada a qualquer um que fizesse parte do antigo público.
No antigo vestiário do bar foram pendidos cartazes incentivando o alistamento na «operação militar especial» (como o governo russo chama a guerra na Ucrânia). Na entrada, há panfletos eleitorais e um aviso sobre a proibição de fazer «propaganda gay». No interior, surgiram retratos de Putin. Um dos donos do bar agora usa constantemente um boné com a letra Z — símbolo dos apoiadores da guerra na Ucrânia.
«Uma pessoa queer, que neste país é marginalizada e chamada de extremista, posta nas redes coisas como: ‘Gente, votei no nosso presidente! Ele é o melhor’. Isso para mim é um mistério», comenta um ex-cliente do bar.
Em toda a Rússia, os locais queer agora proíbem demonstrações públicas de afeto entre os convidados, cancelam apresentações de drag queens e doam parte da renda para a «reabilitação de veteranos da operação militar especial». Trata-se evidentemente de casos de lealdade forçada: depois da proibição da comunidade LGBT, bares gays podem ser fechados a qualquer momento e seus funcionários acusados de integrar «células extremistas internacionais».
Isso aconteceu, por exemplo, com o bar Pose, em Oremburgo, cujos funcionários estão agora sendo processados criminalmente.
Como observa o advogado Maksim Oleničev, as autoridades já coletaram uma grande quantidade de dados, mas por algum motivo iniciaram poucos processos judiciais. «Temos a impressão de que estão preparando uma espécie de julgamento em massa», comenta Ekaterina Dikovskaja, da ONG Sfera.
Se a «guerra entre o Estado e o sexo» — como a descreveu um dos ativistas com quem o Meduza conversou — realmente levar a detenções em massa, isso pode envolver também membros das elites. De acordo com as fontes do Meduza, durante as batidas policiais, a primeira coisa que os agentes procuram são funcionários do governo.
Um exemplo: durante um baile de máscaras erótico realizado em uma localidade dos Urais, a polícia exigiu que todos tirassem as máscaras. «Eles esperavam encontrar deputados ou outras pessoas importantes», explica o organizador do evento.
Durante a batida no Tipografija, os agentes perguntaram aos funcionários se havia clientes que trabalhavam no setor público. Numa invasão a uma festa na república da Carélia, as forças de segurança exigiram da organizadora a lista de convidados — entre eles havia «pessoas particularmente notáveis», como funcionários do Ministério do Interior, da Receita Federal e do Serviço Penitenciário Federal, conforme noticiado pela Mediazona.
Em abril de 2024, a Duma de Moscou recebeu duas solicitações para verificar a identidade de gênero de deputados e funcionários, com o objetivo de impedir que os «apologistas das perversões» se escondessem entre os servidores do Estado. Uma declaração sobre a «pureza» dos parlamentares foi feita pelo presidente da câmara, Vjačeslav Volodin.
Uma das fontes do Meduza foi demitida de um órgão parlamentar por ter exibido símbolos do «movimento LGBT extremista». «Fizeram uma reunião de emergência por videoconferência para me demitir sumariamente», lembra a fonte.
«Conheço pessoas LGBT que ocupam cargos de prestígio e que, em muitos casos, seguem a linha do partido. Me vem à mente um paralelo com os comissários do povo dos anos 1930, Genrich Jagoda e Nikolaj Ežov, que mantinham relações homossexuais, mas participaram do Grande Terror stalinista e da criminalização da homossexualidade. Esta perseguição é uma loucura política — mas as pessoas queer que trabalham para o Estado já estão acostumadas.»
Outra fonte confirma: há vários funcionários que permanecem em seus cargos mesmo tendo relações homossexuais e frequentando eventos queer altamente restritos. «Muitas vezes, eles têm a mala pronta, mas não têm para onde fugir: já estão sob sanções, e ninguém na Europa os aceitaria», diz a fonte. «Às vezes, escrevo para perguntar como conseguem suportar tudo isso. Ninguém jamais me respondeu.»
Até agora, poucas figuras de alto escalão foram afetadas, mas dentro das estruturas estatais a repressão avança continuamente, diz Čaika. «Hoje em dia, basta chamar alguém de ‘bicha’ para puni-lo. A pessoa será imediatamente afastada, demitida, terá seus filhos retirados, será enviada para o front de batalha, internada num hospital psiquiátrico ou presa.
Nossa organização já foi procurada por pessoas da Duma, do Ministério da Defesa, dos serviços secretos. E por quem trabalha na promotoria e na administração presidencial. Esse número só vai crescer, porque seus colegas já usam normalmente esses métodos para atingi-los.»
——-
Box
Dez anos de repressão
2013 – Aprovada a lei contra a «propaganda gay», que proíbe a «promoção de relações sexuais não tradicionais» entre menores.
2014 – Proibição da adoção por casais do mesmo sexo.
2017 – Diversas organizações da comunidade LGBT são declaradas «agentes estrangeiros».
2020 – Alteração constitucional define o casamento exclusivamente como união entre homem e mulher.
2022 – Extensão da lei contra a propaganda gay para proibir qualquer conteúdo LGBT também entre adultos.
Julho de 2023 – Proibição total da transição de gênero. Anulação retroativa de casamentos em que um dos cônjuges tenha mudado de sexo.
Novembro de 2023 – A Suprema Corte declara o «movimento internacional LGBT» uma organização extremista, tornando ilegal qualquer atividade ligada a ele no país.
2024 – Aprovada lei que proíbe a adoção de crianças russas por cidadãos de países onde a transição de gênero é legal.
Texto por Meduza, Letônia.